INTRODUÇÃO
O Sistema Único de Saúde foi criado visando atender à exigência constitucional que garante a saúde como direito de todos e dever do Estado, assegurado por meio de políticas sociais e econômicas que objetivam reduzir o risco de doenças entre outros danos, bem como o acesso universal e igualitário aos seus serviços. Sendo uma prestação de serviços gratuita, serão analisadas as possibilidades de participação da iniciativa privada no SUS e como se dá essa relação público-privada no âmbito dos ofícios desse sistema.
LEI 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990
A Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, regula a prestação de serviços de saúde em todo o país, sejam eles efetuados isolada ou conjuntamente, de forma permanente ou eventual, por pessoas físicas ou jurídicas, nos âmbitos do direito Público ou Privado.
A supracitada lei traz em seu Art. 4º, § 2º, que “A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar”, ou seja, possibilita que a iniciativa privada participe de forma a complementar o serviço do Sistema Único de Saúde. Possibilidade essa que se confirma em outros artigos da referida lei, como no Art. 8º, onde se diz que “As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente”, e mais uma vez demonstra a alternativa de ação conjunta entre o SUS e a participação complementar da iniciativa privada.
Os requisitos que regulam a participação da iniciativa privada no Sistema Único de Saúde encontram-se dispostos no Capítulo II da Lei 8.080/1990, que trata da participação complementar. Os artigos do referido capítulo explicitam que a iniciativa privada poderá atuar de maneira a complementar os serviços de saúde oferecidos pelo SUS mediante contrato ou convênio que observem as normas do Direito Público. O contrato ou convênio em questão precisam ser celebrados pela direção nacional do Sistema Único de Saúde e aprovados no Conselho Nacional de Saúde. Isto é, sem a participação do paciente na negociação.
Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada. Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.
Art. 25. Na hipótese do artigo anterior, as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos terão preferência para participar do Sistema Único de Saúde (SUS).
Art. 26. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial serão estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovados no Conselho Nacional de Saúde. § 1° Na fixação dos critérios, valores, formas de reajuste e de pagamento da remuneração aludida neste artigo, a direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) deverá fundamentar seu ato em demonstrativo econômico financeiro que garanta a efetiva qualidade de execução dos serviços contratados.§ 2° Os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), mantido o equilíbrio econômico e financeiro do contrato. § 3° (Vetado). § 4° Aos proprietários, administradores e dirigentes de entidades ou serviços contratados é vedado exercer cargo de chefia ou função de confiança no Sistema Único de Saúde (SUS).
É possível observar que os artigos do Capítulo II da Lei 8.080/1990 deixam claro como deve se dar a relação de complementariedade entre a saúde pública e privada nesses casos, sendo necessário obedecer aos requisitos legais listados para que ocorra essa parceria de forma correta e dentro dos limites estabelecidos pela lei.
PORTARIA 113, DE 4 DE SETEMBRO DE 1997
A portaria do Ministério da Saúde, de número 113, de 4 de setembro de 1997, que regula parte das relações entre o SUS e os serviços provados contratados de assistência à saúde, em seus artigos 2.1 e 2.2, veda qualquer tipo de acréscimo em dinheiro em atendimento do Sistema Único de Saúde, não sendo possível que o indivíduo pague um valor individual a fim de ter um tratamento ou acomodação diferenciada.
2.1. A AIH garante a gratuidade total da assistência prestada, sendo vedada a profissionais e/ou às Unidades Assistências públicas ou privadas, contratadas, ou conveniadas a cobrança ao paciente ou seus familiares, de complementariedade, a qualquer título.
2.2. Nos casos de urgência/emergência, e não havendo leitos disponíveis nas enfermarias, cabe à Unidade Assistencial proceder a internação do paciente em acomodações especiais, até que ocorra vaga em leitos de enfermarias, sem cobrança adicional, a qualquer título.
Os dispositivos acima corroboram com os quesitos constitucionais e legais que afirmam que o Sistema Único de Saúde é um serviço gratuito e deve ser acessado de forma igualitária pela população, sem diferenciação de classe, cor ou credo.
INFORMATIVO STF – Nº 810
O Recurso Extraordinário 581.488, expedido no Rio Grande do Sul, analisa a incompatibilidade que existe entre as missões e diretrizes postas no antigo INAMPS, utilizadas para embasar os pedidos de tratamento diferenciado no SUS, em contrapartida às regras do atual Sistema Único de Saúde. No recurso em questão é possível constatar a corroboração com os demais dispositivos que tratam do assunto, ao proibir a chamada “diferença de classes” ou atendimento por médico particular no espaço destinado ao SUS, visto que esse tipo de procedimento vai de encontro aos principais pontos presentes na criação e organização desse sistema totalmente voltado para a saúde pública.
O relator do recurso em questão, Min. Dias Toffoli, no informativo do STF - Nº 810 demonstra que é totalmente vedado no Sistema Único de Saúde o atendimento diferenciado por médico do próprio sistema ou conveniado, frente o pagamento de diferença dos valores equivalentes, bem como a internação em aposentos súperos, tal vedação é amparada pela Carta Magna.
Na oportunidade, foi explanado pelo Colegiado que o Sistema Único de Saúde se fundamenta nos princípios da universalidade (todo e qualquer cidadão tem garantido atenção à saúde); equidade (é assegurada a prestação de serviço de saúde em todos os níveis, mediante a complexidade do caso, de forma igualitária nas situações similares); e integralidade (cada indivíduo é um todo indivisível, integrante de uma comunidade).
Em consonância a isso, cita-se a lei 8.080/1990 que impõe ao SUS prestar serviços públicos de saúde e uma série de ações de saúde, obedecendo aos princípios supracitados; mas é preciso que se observe também a capacidade econômica do Estado somada aos elementos técnico-científicos. Sendo assim, prestar assistência diferenciada a pessoas em situações similares, dentro do Sistema Único de Saúde fragiliza a dignidade humana e a isonomia, garantidas pelo Estado.
Ou seja, ao permitir que um paciente tenha melhores condições de internação ou acesso ao médico de sua escolha através de pagamento, é totalmente contrário as premissas do SUS. De mais a mais, não é vedado constitucionalmente o atendimento personalizado de saúde, nesse sentido, admite o sistema privado.
Ademais, destaca-se que não é finalidade do sistema a obtenção de lucro, embora se reconheça que o SUS precisa de recursos e de aprimoramento para se firmar como um sistema que atenda às suas finalidades constitucionais e legais. Assim sendo, deve priorizar-se sobretudo a igualdade de acesso, e não em sentido oposto, em clara ofensa à Constituição, pois a missão do Estado é implementar um sistema de saúde igualitário.
ANÁLISE
É imprescindível que se destaque a importância do Sistema Único de Saúde no Brasil que atende a milhões de brasileiros de forma gratuita, garantindo assim que possam solucionar problemas de saúde sem custos com o tratamento. No entanto, é inegável que o sistema ainda há muito o que aprimorar. A lentidão do SUS é um dos principais pontos a tratar com urgência no âmbito da saúde brasileira.
Nesse trabalho, conclui-se que embora o sistema enfrente muitas dificuldades que poderiam ser resolvidas com uma injeção de ânimo econômica, não é finalidade do mesmo a obtenção de lucro, destarte, é totalmente a ideia contrária do programa a distinção de pessoas de acordo com a classe socioeconômica a que pertence. Nesse sentido, não é admissível que um paciente dentro do Sistema Único de Saúde tenha vantagens sobre outro, no mesmo sistema, através do pagamento de quantias complementares. Sendo o objetivo principal do SUS o atendimento gratuito e igualitário. Ademais, se o paciente deseja atendimento diferenciado e pode pagar por isso, é permitido constitucionalmente que ele faça uso do sistema privado.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 18 mar 2017.
Informativo STF - Nº 810. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo810.htm>. Acesso em: 18 mar 2017.
Portaria 113/1997 - Ministério da Saúde. Disponível em: . Acesso em: 18 mar 2017. Recurso Extraordinário 581.488/RS. Disponível em: . Acesso em: 18 mar 2017.
Ana Melissa e Anne Beatriz são estudantes do 3º período do curso de Direito da UFRN em Caicó